quarta-feira, 16 de julho de 2008

Na fábrica

Foi quando a fábrica estava à beira da falência que o dono descobriu uma maneira de usar a mão de obra alquebrada que tantos prejuízos lhe trouxera ao longo dos anos. A nova exploração de certos compostos orgânicos por laboratórios do norte da Europa, carentes de matéria-prima, se afigurava como real salvação.
Sabia-se que os estagiários e aprendizes, por seu vigor físico, eram duas vezes mais produtivos que os velhos operários, manhosos e corrompidos, salvaguardados pela obsoleta legislação trabalhista que não permitia um número maior de jovens junto às máquinas. Para sorte do dono (a quem devemos o pão nosso), a combinação de solo, insolação e linhagem impedia que os chineses se tornassem competitivos.
- Cada um deve dar a sua parte - conclamou o dono. - Não quero ninguém fazendo corpo mole por aqui.
Mas, apesar de tudo, os excelentes números iniciais vinham definhando. Os insumos americanos, eficientes num primeiro momento, mostraram-se pouco nutritivos. Um consultor foi chamado.
- Prometeram novidade - disse um dos operários, três dedos perdidos ao longo da carreira.
- Acho que tão pondo remédio na nossa comida - disse outro.
Acoplados aos dispositivos, esperavam que a tela se iluminasse.
Em vez disso, surgiu o especialista contratado. Fez-se um foco de luz. Voltando-se para os bastidores, bateu apenas uma palma. Sabia que no mundo industrial o mise-èn-scene era indispensável.
Um exército de garotas locais, as ancas fortes, invadiu o palco. Com outro sinal, ergueram-se as batidas frenéticas, tambores e engrenagens.
A reação dos trabalhadores foi imediata.
Orgulho nacional, a música popular não deixa de gerar divisas.

Nenhum comentário: