terça-feira, 22 de julho de 2008

Latebra

Viu a menina negra e mutilada, que a duras penas tinha conseguido escapar de sua nação ominosa e chegar ao exterior onde escreveu um livro sobre seus sofrimentos.
Viu o órfão oriental que tinha sobrevivido entre os escombros de uma biblioteca onde aprendeu a ler com os rudimentos que uma professora abnegada lhe ensinara na primeira infância.
Viu a jovem cuja brilhante carreira artística fora tolhida pelo regime totalitário e que acabou lavando o chão na casa do ditador até que seus escritos fossem descobertos por uma alma caridosa.
Viu o índio que tinha escapado ao massacre de sua tribo na selva e que depois dominou a linguagem dos brancos para encher páginas de contundente denúncia.
E então os manuais das mulheres oprimidas ou libertárias (o que lhe parecia a mesma prisão). E depois os dos gays e seu indisfarçável cansaço em lutar por direitos tão antigos como o casamento.
Havia um lugar, porém, onde ainda poderia encontrar refúgio.
Vencendo as empoeiradas caixas dos saldos do prédio decrépito de uma rua lateral do Centro, chegou a prateleiras que ainda lembravam de Conrad, Maugham, Dinesen, Rulfo, Nin e Wilde.

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